fonte: MedScape

Populações de diferentes regiões do planeta enfrentam ameaças recorde ao bem-estar, à saúde e à sobrevivência por causa da mudança do clima. Essa é uma das conclusões do novo estudo publicado pela revista The Lancet.

O documento foi elaborado após oito anos de monitoramento e com a contribuição de 122 pesquisadores de agências da ONU e de instituições acadêmicas ao redor do mundo. Segundo o relatório, do total de 15 indicadores usados para monitorar os perigos, a exposição e os impactos à saúde causados pelas mudanças climáticas, dez atingiram níveis preocupantes após a análise dos dados mais recentes.

De acordo com o documento, a mortalidade relacionada ao calor de pessoas com mais de 65 anos aumentou 167% em comparação à década de 1990, 102 pontos percentuais a mais do que os 65% que seriam esperados sem o aumento da temperatura.

Em 2023, crianças e idosos com mais de 65 anos viveram 13,8 dias de ondas de calor, novo recorde registrado por pessoa. A exposição ao calor também afeta, cada vez mais, as atividades ao ar livre e a qualidade do sono, o que gera impactos na saúde física e mental.

Também em 2023, a exposição ao calor colocou as pessoas envolvidas em funções externas em risco de estresse por calor em 27,7% horas a mais do que a média na década de 1990 e levou a um aumento recorde de 6% de horas de sono perdidas em 2023 do que a média durante 1986 a 2005.

No mesmo ano, 512 bilhões de potenciais horas de trabalho foram perdidas, 49% acima da média entre 1990 a 1999.

Além disso, pessoas ao redor do mundo estão cada vez mais vulneráveis aos efeitos de eventos climáticos extremos, a exemplo da tragédia em Valência, na Espanha, que deixou mais de 50 mortos, e das enchentes no Rio Grande do Sul.

Entre 1961 a 1990 e de 2014 a 2023, 61% da área terrestre global viu um aumento no número de dias de precipitação extrema, o que, por sua vez, aumenta o risco de inundações, de disseminação de doenças infecciosas e de contaminação da água.

Um dos destaques é o aumento de dengue: as condições ideais para a transmissão pelo Aedes aegypti aumentaram 10,7% ao comparar o período entre 1951 a 1960 e 2014 a 2023 — em 2023, mais de 5 milhões de casos da doença foram registrados globalmente.

Ao mesmo tempo, 48% da área terrestre global foi afetada por pelo menos um mês de seca extrema em 2023, a segunda maior extensão registrada desde 1951. O aumento de eventos de seca e ondas de calor desde 1981 a 2010 foi, por sua vez, associado a um aumento de 151 milhões de pessoas sofrendo de insegurança alimentar moderada ou grave em 124 países avaliados em 2022, o maior valor já registrado.

Além de pontuar os impactos na saúde e no bem-estar da população, o documento do Lancet destaca como a sociedade está longe de atingir as metas estabelecidas no Acordo de Paris, principal tratado climático internacional, cujo objetivo central é limitar o aumento da temperatura média do planeta em 1,5ºC.

O relatório mostra que as emissões globais de dióxido de carbono relacionadas à geração de energia atingiram um recorde histórico em 2023.

Segundo o estudo, empresas de petróleo e gás reforçam a dependência global de combustíveis fósseis e a maioria tem planos de expansão para explorar esses produtos poluentes.

Em março de 2024, as 114 maiores empresas de petróleo e gás estavam a caminho de exceder as emissões condizentes com a meta de limitar o aquecimento do planeta a 1,5°C em 189% em 2040, em comparação com 173% no período anterior. Como resultado, é cada vez mais difícil cumprir as metas do Acordo de Paris, o que gera novas ameaças à saúde e à sobrevivência das pessoas.

Além de reduzir as emissões de gases de efeito estufa, é preciso investir em adaptação climática, que consiste em preparar as sociedades para a realidade dos novos padrões climáticos.

O documento do Lancet mostrou um avanço nesse sentido. Em dezembro de 2023, 50 países reportaram ter formalmente avaliado as suas vulnerabilidades na área da saúde e a necessidade de adaptação, sendo que apenas 11 haviam feito o mesmo procedimento em 2022.

Ainda, no mesmo período, 43 nações declararam ter um Plano Nacional de Adaptação de Saúde, enquanto apenas quatro afirmaram o mesmo no ano anterior.

De acordo com o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Dr. Tedros Adhanom, o relatório do Lancet “deixa claro que a mudança climática não é uma ameaça distante, mas um risco imediato à saúde. No mundo, a OMS apoia países a promoverem a adaptação e a mitigação dos impactos da mudança do clima na saúde ao construir sistemas de saúde resilientes e favoráveis ao clima”.